02/08/2015

Mãe

Existe um lugar erguido para lá das casas, cuja entrada está acessível apenas às mulheres. Nem todas o chegam a conhecer, mas crê-se que a natureza acaba por guiar até lá a maioria das espécimes, atribuindo-lhe desejos e instintos, e que, por isso, a humanidade tem nesse lugar a sua verdadeira morada.
Todos os filhos por nascer pairam nesse lugar, à espera da chegada das mulheres que os sonhem, escolham e suguem, assim, do ar até às suas barrigas de algodão. Algumas entram em lágrimas, outras desarrumam tudo com o seu riso e há ainda quem chegue desfeita, verdadeiramente miserável, sem qualquer emoção.
Na manhã em que a minha mãe pisou esse terreno, eu vi-a chegar e nunca mais deixei de a ver. Ela avançava em passos pequeninos, insegura, como uma criança assustada no meio de um bosque sombrio, e os olhos que eu ainda não tinha apaixonavam-se por ela.
Enquanto muitas outras mulheres entravam e logo saíam do lugar, mais preenchidas e pesadas, a minha mãe deixou-se por ali ficar durante muito tempo, quieta, sem ousar levantar os olhos e imaginar qualquer rosto de bebé. Parecia mentalizar-se, ganhar coragem ou pensar qualquer outra coisa que me atraía mas ainda não sabia compreender.
A cada noite, os olhos melindrados de verde daquela mulher preenchiam-me de felicidade. Sem que ela me olhasse, eu guardava a imagem daqueles olhos e sentia serem os mais belos do mundo. Tê-los inclinados na minha direcção seria o mais belo do mundo, acreditava eu com a fé que ainda não tinha.
Eu sei que as mulheres escolhem os filhos ainda sementes e os alimentam à luz dessa imagem até ao dia em que, por fim, os podem agarrar como fruto maduro junto ao peito. Contudo, a história inverte-se de quando a quando - foi o que aconteceu com a mulher de olhos verdes, pois ela nunca me havia sonhado e eu já a tinha escolhido como mãe.
Creio que sou muito mais mãe do que filha daquela mulher, pois toda a vida a vejo como uma criança abandonada no meio do bosque que me apaixona e que quero socorrer. E toda a vida continuo a pairar naquele lugar de origem, mesmo depois de ter mergulhado na sua barriga de algodão, desejosa de que ela me veja, que ainda me escolha.
Olha para mim, repito eu ardentemente com o coração que hoje tenho.

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