18/11/2015

Morte

Quando somos jovens, ninguém nos ensina a morte de um jovem, como nós. Ensinam-nos a morte dos velhos, de gente antiga, cujo prazo de validade expirou de forma expectável, pois para lá de velho o caminho é só um. Assim nos ensinam quando os avós desaparecem para sempre numa tarde oca de Inverno ou alguns vizinhos começam, de forma gradual, a abandonar a região.
À medida que crescemos, a lição entranha-se e a morte torna-se uma coisa gasta, cujo prazo de validade expirou há muito tempo com o sorriso do avô sempre suspenso no cajado e o aceno de mão da avó em despedida à porta da casa na montanha. Vai-se o sorriso, vai-se o aceno, vai-se a morte, e assim a nossa longa vida prossegue.
Há, contudo, uma possibilidade de desfecho tão medonha que ninguém quer ser responsável por nos ensinar. Apesar de real como qualquer outra coisa do mundo, ninguém a fala com medo do pesadelo que é apenas falá-la. Para alguns, a morte não chega velha, não dá tempo, não espera toda a vida - em vez disso, irrompe cedo carne adentro, sacrificando todo o brilho de que é feita uma alma muito jovem, muito viva.
Ninguém nos prepara para a morte da criança com quem esfolamos os joelhos no asfalto ou engendramos partidas maléficas tardes a fio. A criança que se torna no adolescente com quem partilhamos os trabalhos de casa na escola e as pipocas no cinema. O amigo com quem crescemos e descobrimos uma parte do mundo e da vida, tão diversa e tão longa, como nos ensinaram que deve ser para qualquer jovem como nós.
Morro de medo desta morte nova, que só hoje aprendo e para a qual nunca me preparei.
Anseio o ontem, onde todas as minhas lembranças eram gente viva, muito distantes de qualquer ridículo prazo de validade, reservadas a um futuro sem fim à vista. Onde ninguém tinha de me ensinar a morte tão próxima e antecipada de um jovem, como eu.

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