24/07/2016

Memória

Pergunto-me como se esquece uma mãe, um irmão, o melhor amigo, o primeiro amor. Como se larga subitamente alguém com quem temos história, que nos deu muito, que resistiu ao tempo e a todo o tipo de intimidade?
Hoje as pessoas trocam-se, como coisas. Os homens esquecem-se, como coisas.
As pessoas exercitam a curta memória e tornam-se coisas com pequeno coração. Creio que a falta de memória indicia apenas o começo da pequenez, pois, com o tempo, todos os órgãos e membros tenderão a encurtar de igual forma. Depressa virá o dia em que gente assim, de tão curta, não alcançará coisa nenhuma.
Abandonar pela calada quem nos ama é minguar em memória e corpo inteiro.
Não tenho dúvidas que sofre quem lembra, quem agradece, quem segura e não quer magoar. Mas ser gente com tamanho passa decerto por não esquecer.
Imagino que todo o verdadeiro amor que nos dedicam deva ser sempre preservado, jamais ignorado, alvo de ingratidão. Não somos nada sem o amor do outro. Como se esquece quem amámos, nos amou e, assim, nos engrandeceu?
A memória quer-se presente, longa e cheia, com a voz, o cheiro, os silêncios, todos os gestos. Assim se fazem os bons homens. Atribuindo toda a dimensão merecida a uma mãe, um irmão, um amigo, a um grande amor.